2. Fundamentos histórico-culturais da atividade co-laborativa

 

Foto de Isabel Gouveia      

 

 

É importante revelar que o entendimento do processo de construção co-laborativa do conhecimento cuja ênfase recai em suas origens sociais e históricas, isto é, num conhecer orientado inicialmente no sentido do coletivo para o sujeito, não emerge apenas com o amplo uso instrumental das mídias telemáticas na Educação nem tampouco constitui uma abordagem “nova” aos processos de aprendizado e desenvolvimento humanos.

Trata-se de uma perspectiva que, embora esteja sendo cada vez mais adotada por estudiosos para o exame das complexas relações entre Educação e Novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC),[1] inaugura-se já na década de 1920 do século passado com a formação da escola russa de psicologia - também conhecida como psicologia sócio-histórica e psicologia histórico-cultural ou ainda psicologia cultural.

Iniciada por Vygotsky[2] e posteriormente desenvolvida por Luria[3] e Leontiev[4] - entre muitos outros cientistas russos - a psicologia histórico-cultural defende que o aprendizado e o desenvolvimento tipicamente humanos só podem ocorrer a partir da internalização (interiorização) das funções interpsíquicas (entre sujeitos). Estas funções interpsíquicas são co-laboradas (construídas conjuntamente) e mediadas por ferramentas concretas (machado e computador, por exemplo) e instrumentos psicológicos de natureza imaterial (como é o caso do uso de signos na comunicação e pensamento verbal).

Na perspectiva cultural de interpretação do desenvolvimento humano portanto é a partir das complexas interrelações sociais (microgênese) e históricas (macrogênese), obrigatoriamente MEDIADAS pelo uso instrumental das ferramentas e signos ao longo da filogênese (percurso evolutivo inter-espécies) e da ontogênese (percurso desenvolvimental intra-espécie), que se criam enfim as condições materiais e imateriais para a co-laboração das funções psíquicas “superiores” ou funções psíquicas culturais (a mnemotécnica, a imaginação criadora, a percepção descolada do campo perceptivo sensorial do sujeito, o pensamento verbal, por exemplo).[5]

Os saberes práticos, as (in)formações e os conhecimentos empíricos e científicos co-laborados e em co-laboração pelo sujeito só podem ser viabilizados unicamente através da MEDIAÇÃO CULTURAL (ferramentas e signos) - que interpõe-se necessariamente entre TODAS as suas interações sociais nos diferentes coletivos (nível interpsíquico) nos quais ele/ela atua e com os quais dialoga e se relaciona. Unicamente assim, a partir da imersão do sujeito em variadas comunalidades de práticas coletivas, a pessoa pode conferir uma significação compartilhada a essas construções co-laboradas, apropriar-se do seu significado original e enfim conseguir ressignificá-las livremente (nível intramental) co-laborando novos, originais e imprevisíveis sentidos num processo initerrupto e que não tem fim.

Concepções sócio-históricas e culturais da atividade co-laborativa de/em e-coletivos tem emergido e trafegado em muitas comunidades de aprendizado na/em Rede particularmente no Brasil.[6]

 


 

Próximas páginas:

 

(1) A co-laboração na/em Rede

(2) Fundamentos histórico-culturais da atividade co-laborativa

(3) Desafios contemporâneos à co-laboração na/em Rede

(4) Co-laborando o aprendizado autônomo

(5) Cooperação e co-laboração

(6) A co-laboração de/em programas livres

(7) Interfaces otimizadoras da co-laboração na/em Rede

(8) Co-laborando um texto à seis mãos

Referências


[1] LUCKIN, R.; BOULAY, B. D. (1999) Ecolab: the development and evaluation of a vygotskian design framework. International Journal of Artificial Intelligence in Education, 10, p. 198-220; TUOMI, I. (1998) Vygotsky in a team room: an exploratory study on collective concept formation in eletronic environments. HICSS.

[2] VYGOTSKY, L. S. (1994) A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes.

[3] LURIA, A. R. (1992) A construção da mente. São Paulo: Ícone.

[4] LEONTIEV, A. (1978) O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Horizonte universitário.

[5] Vygotsky toma o trabalho como categoria “central” numa perspectiva proximodistal (do centro para a periferia) para explicar as origens sociais e o desenvolvimento histórico da cultura. Em outras palavras, para ele, sem o trabalho de intervenção e/ou transformação do/no mundo natural (que implica necessariamente a “conversão” do ser biológico em um novo ser - cultural - tipicamente humano) não pode, em nenhuma hipótese, haver cultura; Vygotsky não nos parece adotar uma posição “etnocêntrica” por “centralizar” a categoria marxiana trabalho nem tampouco quando distingüe as formas “inferiores” e “superiores” de funcionamento mental. O que ele enuncia discursivamente, em nosso entendimento, é a especificidade cultural e sócio-histórica da linguagem verbal e o seu impacto no funcionamento do psiquismo humano. Trata-se da “superioridade” tanto em relação à localização orgânica (o córtex cerebral) destas funções quanto aos limites concretamente impostos pelo campo perceptivo que informa o pensamento prático e a comunicação baseada exclusivamente na linguagem conativa ou pré-intelectual (intuição empírica) do sujeito. Para um maior esclarecimento do ponto de vista defendido aqui consultar JAPIASSU, Ricardo (2004) A arte na educação de crianças, jovens e adultos – alocução pronunciada em mesa redonda homônima durante a SBPC Cultural “Cultura e Natureza”. Cuiabá: UFMT/56ª RA da SBPC Ciência na Fronteira: Ética e Desenvolvimento, 18 a 23 de julho. [on-line] Disponível na internet via www. URL: http://www.educacaoonline.pro.br Acesso em fevereiro de 2006.

[6] ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini de (2003) “Educação, ambientes virtuais e interatividade”. In: SILVA, Marco (Org.) Educação online – teorias, práticas, legislação, formação corporativa. São Paulo: Loyola, p. 201-215; ANDRADE, Adja F de & VICARI, Rosa Mª (2003) “Construindo um ambiente de aprendizagem a distância inspirado na concepção sociointeracionista de Vygotsky”. In: SILVA, Marco (Org.) Educação online – teorias, práticas, legislação, formação corporativa. São Paulo: Loyola, p. 255-272; CAMPOS, Fernanda e outros (2003) “Análise descritiva de ambientes de aprendizagem cooperativa apoiados por computadores” In: Cooperação e aprendizagem on-line. Brasília: DP&A, p.84-108.