(5) Cooperação e co-laboração

 

 

 

Na década de setenta Johnson e Johnson desenvolveram um método de aprendizado cooperativo denominado “aprender juntos”. Para esses pesquisadores a cooperação fundamenta-se no desempenho de uma tarefa em grupo com um único objetivo em comum.[1]

Segundo Espinosa,

 

No grupo colaborativo todo o conhecimento é construído conjuntamente e negociado, havendo um fluxo de comunicação bidirecional contínuo. Enquanto no grupo cooperativo a comunicação pode ser unidirecional, isto é, quando algum aluno assume um papel de expertise, explicando determinadas idéias ao grupo, e em outros momentos é multidirecional, quando os membros do grupo buscam alternativas e tomam decisões. Na cooperação se produzem consultas sobre o feito de cada um e a colaboração vai se fazendo conjuntamente ... A colaboração seria equivalente ao que anteriormente temos definido como situações de alta cooperação (terminologia de Hertz-Lazarowitz) ou grupos cooperativos de alto rendimento (segundo denominação de Johnson, Johnson e Holubec). (p. 110-111)

 

As investigações desenvolvidas por Johnson e Johnson tornaram-se referência importante para a Educação e têm subsidiado os trabalhos dos pesquisadores que investigam os diferentes matizes do trabalho em grupo, a exemplo de Crook[2] - que fundamenta também suas pesquisas sobre a colaboração[3] nos pressupostos da psicologia sócio-histórica, à qual já nos referimos anteriormente no item (2), justificando-a como método de aprendizado.

Para Charles Crook, em nossos intercâmbios habituais com outras pessoas, cotidianamente, constatamos que (1) a atividade cognitiva é interpretada como um conjunto de sistemas funcionais, ou seja, como um fenômeno “situado para além da pele” que nos leva a considerar os recursos exteriores às pessoas (ferramentas) como elementos básicos da cognição; (2) a cognição é “situada” (aprendemos com/em situações concretas), isto é, as aquisições cognitivas estão necessariamente vinculadas ao contexto de aprendizagem; e (3) a cognição possui caráter social em duplo sentido: os elementos mediadores (signos) se criam e evoluem a partir de um contexto sociocultural e, inversamente, o uso de signos e os processos de significação (de construção de sentidos por parte do sujeito) vinculam-se ao contexto circunstancial das suas/nossas interações.   

Pode–se afirmar, sem receio, que a atividade co-laborativa atua na zona de desenvolvimento proximal (ZDP)[4] da comunidade de aprendizado em razão de os participantes do grupo - com suas singulares competências - auxiliarem-se uns aos outros na qualidade de membros mais experientes de diferentes círculos de conhecimento e variadas práticas culturais.[5]

A ZDP caracteriza uma faixa desenvolvimental de atuação potencial que situa-se entre aquilo que o sujeito já é capaz de fazer sozinho (entregue à resolução solitária de problemas) e a possibilidade real de um melhor desempenho seu na execução de tarefas contando com o auxílio de outros mais capazes e/ou experientes em determinadas áreas de atuação intelectual e prática. Contudo, a instalação desse espaço transacional e transicional do vir-a-ser (da virtualidade, da potencialidade), na perspectiva do aprendizado co-laborativo, não resulta apenas do mero agrupamento de pessoas tendo em vista a atividade conjunta.  É fundamental que haja um objetivo comum a ser alcançado, e que este objetivo venha ao encontro da satisfação de uma necessidade concreta tanto do sujeito como do coletivo.[6] Trata-se do engajamento de todos os membros do grupo na construção sinérgica de práticas e conhecimentos para muito além da “soma das partes.”[7]

O que distingue a atividade co-laborativa da atividade cooperativa em uma CVA reside na natureza “híbrida” ou intercultural (provisória) do processo coletivo de construção de conhecimentos e saberes – o que sem dúvida encontra-se muito além da simples existência de interação e intercâmbio de informações entre os membros do grupo.  

Neste sentido Ovejero citado por Almenara (2003) [8] chama a atenção para o fato de a atividade co-laborativa levar em conta o princípio geral da intervenção - que não se refere ao simples somatório das contribuições pessoais mas, ao contrário, à interação omnilateral no âmbito da CVA, em busca do alcance de objetivos previamente negociados no/pelo e-coletivo. Portanto um sujeito somente conseguiria obter verdadeiro êxito pessoal neste tipo de empreendimento pedagógico se os demais participantes estiverem sinceramente engajados no processo dialógico da co-laboração de saberes e práticas na/em Rede (interdependência positiva).[9]

Tomando-se por base as idéias de Almenara e Espinosa referenciadas aqui, conclui-se facilmente que a atividade co-laborativa (trabalho colaborativo) pressupõe (1) a formação/promoção de grupos heterogêneos, evitando-se – sempre que for possível – agruparem-se os sujeitos reiteradamente com pessoas com as quais ele(a) já mantêm vínculos sociais; (2) a busca do alcance dos objetivos pessoais e do e-coletivo; (3) a interdependência não hierarquizada entre os membros do grupo como forma de incentivo à um genuíno aprendizado.

Espinosa resume esses três pressupostos da atividade colaborativa ao afirmar que “o trabalho colaborativo exige dos participantes habilidades comunicativas; técnicas interpessoais; relações simétricas e recíprocas; desejos de compartilhar a resolução da tarefa (responsabilidade individual no alcance do êxito do grupo).”[10]

Concebida desta maneira a atividade co-laborativa (o trabalho colaborativo) pode converter-se em poderoso recurso metodológico para a implementação de empreendimentos pedagógicos à distância na/em Rede. Para Crook (1998)[11] a (1) articulação, o (2) conflito e a (3) co-construção são os três princípios cognitivos dos trabalhos colaborativos. O primeiro refere-se à necessidade do sujeito de organizar, justificar e declarar suas idéias para todo o grupo - e ser adequadamente interpretado e compreendido pelo e-coletivo. Já o conflito relaciona-se mais aos desacordos entre os participantes de uma CVA, que provocam variados movimentos discursivos e múltiplas negociações, solicitando esforços do e-coletivo para gerenciá-los. E finalmente a co-construção que diz e quer dizer do benefício cognitivo de uma “aprendizagem cooperativa” (aprendizado co-laborativo) para a gênese e desenvolvimento de uma cognição socialmente compartilhada.


 

Próximas páginas:

 

(1) A co-laboração na/em Rede

(2) Fundamentos histórico-culturais da atividade co-laborativa

(3) Desafios contemporâneos à co-laboração na/em Rede

(4) Co-laborando o aprendizado autônomo

(5) Cooperação e co-laboração

(6) A co-laboração de/em programas livres

(7) Interfaces otimizadoras da co-laboração na/em Rede

(8) Co-laborando um texto à seis mãos

Referências

 


[1] Espinosa, Maria Paz Prendes (2003) “Aprendemos… ¿ Cooperando o colaborando? Las claves del método”. In: SÁNCHEZ, Francisco Martínez (Org.) Redes de comunicación en la enseñanza – las nuevas perspectivas del trabajo corporativo. Barcelona: Paidós, p. 95-127. [Tradução livre da professora doutora Lynn Alves].

[2] CROOK. Charles (1996) Ordenadores y aprendizaje colaborativo. Madri: Ediciones Morata, S.L..

[3] Os termos colaboração e cooperação são usados pelos autores aqui referenciados como sinônimos.

[4] VYGOTSKY, L. S. (1996) “Zona de desenvolvimento proximal: uma nova abordagem” In: A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, p. 109-119.

[5] Para melhor entendimento das implicações metodológicas e epistêmicas da aplicabilidade pedagógica do conceito de ZDP vygotskiano consultar NEWMAN, Fred & HOLZMAN, Lois (2002) “A zona de desenvolvimento proximal” In: Lev Vygotsky cientista revolucionário. São Paulo: Loyola, p.71-110.

[6] VIGOTSKI, L. S. (2003) Psicologia pedagógica - edição comentada por Guillermo Blank. Porto Alegre: Artmed.

[7] ALMENARA, Julio Cabero (2003) “Principios pedagógicos, psicológicos y socilógicos del trabajo colatorativo: su proyección en la telenseñanza” In: SÁNCHEZ, Francisco Martínez (Org.) Redes de comunicación en la enseñanza – las nuevas perspectivas del trabajo corporativo. Barcelona: Paidós.

[8] Idem, p. 142.

[9] Idem, ibidem, p. 137.

[10] Espinosa, Maria Paz Prendes (2003) “Aprendemos… ¿ Cooperando o colaborando? Las claves del método”. In: SÁNCHEZ, Francisco Martínez (Org.) Redes de comunicación en la enseñanza – las nuevas perspectivas del trabajo corporativo. Barcelona: Paidós, p. 95-127, p. 104. [Tradução livre da professora doutora Lynn Alves].

[11] CROOK. Charles (1998) Ordenadores y aprendizaje colaborativo. Madri: Ediciones Morata, S.L..